Ilustração: John Ledger

colaram dois universitários no balcão, me afastei.
Estava no bar do Donato, um tiozinho pela ordem.
Com o bar havia sustentado os cinco filhos, nenhum virou malandro.
Notei os dois estudantes bebendo Coca-Cola e curtindo a vida agora.
Mais tarde, eles iam no “eu amo tudo isso” tomar um lanche, fodam-se.
Um homem mancando se aproximou.
– Me paga um pingado e um pão, moço.
– Pão com quê? Perguntou um dos universitários.
– Pode ser com manteiga.
– Esse é o problema, meu amigo, pouca pretensão, por que não pede um pão com queijo?
– Preten… o quê? Perguntou o homem que mancava.
– Deixa quieto. Respondeu o outro estudante, meio impaciente.
Donato olhava a cena enquanto lavava os copos.
– Não pode ser assim. Informação é para ser distribuída, pretensão é você querer ter algo, explicou o outro universitário.
– Eu quero um pingado e um pão com manteiga, falou o homem que mancava e tinha uma mancha no olho.
– Faz assim: por que você não pensa em vender uns doces, sei lá, fazer algo melhor com sua vida do que pedir? Disse um dos caras.
– Deixa o homem, porra! Falou o Donato, meio alterado.
– Mas a gente só tá tentando dizer que ele devia revolucionar a vida dele.
– É, por exemplo, estudar, se empenhar, ter preparação para quando chegar a oportunidade.
– Mas ele só quer um pão com manteiga, gente! Falou quase gritando o Donato que havia criado cinco filhos.
Eu fiquei de boa, tomando meu café com leite, pensava num conto, mas me faltava algo.
– Então que ele se empenhe mais, isso é uma sociedade capitalista, não tem espaço para todo mundo.
– É isso mesmo, a vida é assim, a não ser que façamos a revolução. Brandiu o outro estudante.
– Eu só queria um pingado e um pão com manteiga, moço. Falou o homem mancado, com uma mancha no olho e um curativo no braço.
– Mas é isso, meu amigo, que estamos falando.
– É, ele não entende, tem que acontecer uma revolução.
O Donato interrompe a conversa, meu conto tá quase terminando, deu um pingado para o moço que abriu um sorriso e, mesmo antes de agradecer, foi lhe dado também um pão com manteiga.
– Tá vendo, é isso que não pode, tem que dar estrutura, dar a vara e não o peixe. Falou indignado o universitário.
– É isso mesmo, você está agindo com assistencialismo, não devia. Completou o outro estudante. E, mesmo antes de completar a frase, Donato o interrompeu e terminou a discussão.
– É o seguinte, seus doutorzinhos, eu trabalho aqui há vinte anos, todos vocês têm esses papos, esse homem tá nessa vida há todo esse tempo e quantas turmas já passaram por aqui, e essa tal de revolução não veio até hoje.
Terminei o café.
A faculdade da vida é mil grau.

Ferréz é escritor e fundador da 1DASUL. Ligado ao movimento Hip-Hop, é autor dos livros Capão Pecado (Editora Planeta), Manual Prático do Ódio (Editora Planeta), Os Ricos Também Morrem (Editora Planeta), entre outros.

Este conto é parte do livro Ninguém é Inocente em São Paulo (Editora Objetiva). 

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