Ilustração: John Ledger 

 

2017, caixa de sapato.

——

eu tenho uma maldita hemorroida
que me faz odiar quem vai no banheiro
bem da vida

eu tenho uma maldita dor na lombar
que me faz odiar a disposição

eu tenho um maldito cancro social
que me faz odiar positivistas e neoliberais

eu tive uma maldita doença
que me faz odiar propaganda de creme dental e,
principalmente,
quem dá certo

eu tenho um rosto de macaco
que me distancia do bom-dia

eu tenho um maldito bago
que me faz humano

eu tenho uma maldita preguiça
que não faz nada por mim

eu tenho um maldito cisma pelo o que é nulo
eu tenho um maldito cisma pelo o que é efêmero e digno
eu tenho um maldito cisma pelo o que é

coloco tudo numa caixa de sapato e enterro
( medida específica: dezessete vírgula três centímetros abaixo da terra)

de vez em quando me encontro nesse cemitério formoso
e dou uma boa mijada para hidratar a terra

de vez em quando eu faço minha barba nesse santuário,
aparo os pelos do saco,
limpo o nariz,
para adubar

de vez em quando me escalpo e despejo o sangue nesse Limbo
para adubar

de vez em quando eu faço chá de pilha e jogo o resíduo nesse boteco
para adubar

de vez em quando dou uns tecos e procuro por uma boa briga
para desmistificar as qualidades e o
falso caráter
do local

de vez em quando corto pequenos pescoços de recém nascidos
gogó de neném
e os jogo nessa área de terra
para adubar

de vez em quando eu pego uma revista de putaria bem velha
e com o pau bem veiúdo,
duro,
dou uma boa gozada nessa área de pouso
para adubar

de vez em quando eu viro um crocodilo e deito  nesse espaço,
esquento minhas escamas no Sol e,
com um cigarro pendendo levemente na boca aberta em um ângulo superior a 75º,
canto um mantra atonal e elevo minha temperatura do corpo

de vez em quando

 

Santiago Segundo é escritor. Publicou o romance “Estômago”, pela Editora Kazuá e, de forma independente, o conto “Questão Sobre Trabalho”, que vendeu na rua, nos bares e feiras.

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