na última quarta-feira, 8, a Justiça Federal homologou o novo acordo entre Vale, BHP Billiton, Samarco e Ministério Público Federal, em uma sessão solene em Belo Horizonte. Até então, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) vinha sendo elogiado pelos movimentos sociais e pelos atingidos por colocá-los como protagonistas em relação às decisões que envolvem, entre outros pontos, a construção das novas cidades e as perdas materiais dos moradores. Uma questão que está no cerne de todo esse embate são as assessorias técnicas, que prestam apoio aos atingidos ao longo da Bacia do Rio Doce.

Entretanto, a esperada sessão de conciliação entre Estado, empresas, e atingidos – que aguardavam a homologação desde o início do ano, terminou em uma decisão final que assustou a sociedade civil e órgãos públicos presentes na ocasião.  Em uma manobra política, o juiz federal Mario de Paula Franco Júnior (foto), alterou o acordo que havia sido exaustivamente debatido pelos atingidos durante os últimos dois anos.

Demonstrando apreço pela agenda das mineradoras, o magistrado alegou “insuficiência para a condução do processo” em alguns critérios já dispostos no Termo, definindo a mudança e o acréscimo de novos pontos. O mais nebuloso deles foi a modificação da cláusula 7.3, que versa justamente sobre as assessorias técnicas. No novo texto, fica “expressamente vedada” a vinculação político-partidária, ou relação com movimentos sociais, ONGs e entidades religiosas no processo de escolha das organizações que devem prestar apoio aos atingidos.

Ora, a inesperada decisão do magistrado coloca uma dúvida: ficará “expressamente vedada” também a vinculação das assessorias com as mineradoras Vale, BHP e Samarco? E por qual razão movimentos sociais e entidades religiosas não podem realizar tais assessorias, sendo que são exatamente essas mesmas instituições que estão trabalhando junto aos atingidos desde a queda da barragem em 2015?

O juiz federal Mario de Paula Franco Júnior – Foto: Reprodução/ Youtube

“O juiz está beneficiando claramente as empresas criminosas, ele teve uma ação ideológica, violadora de direitos humanos, direito civis e políticos. Coloca uma regra de que o pessoal a ser contratado nas equipes técnicas não pode ser filiado a partido, não pode nem mesmo votar. Isso é uma decisão política e não técnica de um magistrado, uma vergonha”, disse Joceli Andrioli, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), em entrevista ao jornal Brasil de Fato.

A empresa do terceiro setor Cáritas, ligada à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e que presta assessoria técnica aos atingidos desde 2016, se demonstrou apreensiva com a decisão do juiz. “Assessoria é de confiança dos atingidos e deve ser escolhida por eles. Os movimentos sociais e Igreja estão historicamente defendendo os direitos dos atingidos no Brasil”, afirmou Rodrigo Pires Vieira, coordenador da Cáritas em Minas Gerais.

Em nota, o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MP-MG), o Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MP-ES), a Defensoria Pública da União (DPU), a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DP-MG) e a Defensoria Pública do Espírito Santo (DP-ES) se mostraram contrários às mudanças realizadas pelo juiz Mario de Paula e afirmaram que vão brigar na justiça para reverte-las.

No último mês, Saci já havia publicado um pequeno texto onde mostramos as relações espúrias entre a Fundação Renova – empresa criada para “reparar os impactos da queda da barragem” – e as responsáveis pelo crime: BHP, Vale e Samarco. Os maiores dirigentes da Renova são ex-funcionários de carreira das mineradoras, e até mesmo um advogado que presta serviços atualmente pra Vale.

O “novo” acordo é só mais uma faceta desse conflito de interesses. Quando a reportagem da revista esteve em Mariana e Barra Longa, acompanhando as negociações entre os atingidos e a Fundação Renova, ficou clara a negligência e o desconhecimento do alto escalão da instituição sobre as demandas e aflições dos atingidos pela barragem do Fundão.

Quem mais sofre com os vícios da Fundação Renova e seus tentáculos sob os magistrados são os atingidos, que, depois de terem suas casas destruídas, seus filhos e filhas doentes e suas vidas transformadas por conta da mineração predatória, ainda têm de batalhar contra a destruição de sua memória e de sua própria identidade.

Çá-aci

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