Ilustração: John Ledger
A rua da frente desce
A rua de trás sobe
Na rua da frente a vida se manifesta
na rua da frente tem bar, cabeleireiro, farmácia,
escola, jornaleiro, academia
dentista, residências, igreja, padaria
Na rua de trás tem muitas moradas
Pela rua da frente desce a vida agitada;
pessoas indo e vindo do trabalho
crianças a caminho da escola;
idosos com seus jornais debaixo do braço;
evangélicos cantando seus hinos –
e fazendo seus cultos
Na rua de trás tem um beco e muitas bocas
Pela rua de trás sobem o desespero
a dor e o medo
da rua de trás ecoam estranhos ruídos
gritos, sirenes, disparos e lamentos
muitos lamentos de mães, de pais,
de esposas, de avós e de irmãos
Pela rua de trás sobem meninos e meninas
perdidos em tantos vícios
Sobem carros elegantes
Sobem viaturas de polícia
Sobem rojões como sinalizadores.
Pela rua da frente
-disfarçados na penumbra da noite –
descem meninos cambaleantes
falando palavras desconexas.
descem meninas que se entregam
sob qualquer cobertura, em troca
do perdão de dívidas feitas na rua de trás
À noite, pela rua da frente,
alguns, aos palavrões,
descem, ofendendo e ameaçando
os que estão devedores
descem também os carros de resgate
com seus feridos
Na rua de trás o medo cala a voz de seus moradores.
Na rua da frente o mesmo medo faz as pessoas acreditarem que tudo isso
só acontece
na rua de trás
Sonia Regina Bischain é poetisa, escritora e fotógrafa. Organiza o Sarau da Brasa desde 2008 e é autora do livro Rua de Trás, de publicação independente.
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